quarta-feira, novembro 16, 2005

As vítimas do jogo do crime

Sendo Dame Agatha completamente contra qualquer forma de violência, o seu interesse na literatura policial baseava-se exclusivamente na criação de puzzles - o jogo do crime - que permitiam, ao leitor, exercitar as células cinzentas. Há na verdade assassinos, locais do crime e vítimas nos seus livros mas, para além da escritora dar geralmente pouca ênfase aos sinais de violência, as vítimas de assassinato são, por norma, personagens muito pouco simpáticas, e que por sua vez não são os melhores exemplos da sociedade, tenho anteriormente infringido, de alguma forma, as normas de boa conduta. Querem melhor exemplo que Ratchett de Um crime no Expresso do Oriente? Agatha criava propositadamente um distanciamento entre a vítima e o leitor. Assassinos, patriarcas ou matriarcas cruéis, chantagistas... há excepções, naturalmente, como por exemplo em 5 Little Pigs (julgo que o título português é Poirot investiga o passado) em que a técnica de Agatha é outra... o crime já ocorreu há bastante tempo - outra forma de distanciamento, o temporal! Mas nem por isso a vítima (Amyas Crale, salvo erro) dava o melhor exemplo de boa conduta ;).
Tinha já estado a pensar neste assunto e ontem li um capítulo de um livro que vem corroborar a minha ideia e do qual passo a citar um pequeno excerto:
The heart of the classical detective story is the puzzle— that complex structure which offers the reader intrigue and intellectual stimulation. Agatha Christie, who was well versed in the puzzle tradition, distinguishes herself from other writers of the genre in her conception of the murder puzzle: "I don't like messy deaths. Anyway, I'm more interested in peaceful people who die in their own beds and no one knows why. I don't like violence." Though her puzzles may be shrouded in mystery, the bloodstains are few; for Christie distances the reader from the garish effects of murder by focusing instead on "whodunit" and engaging the reader in the pursuit of the murderer. The reader then moves with the sleuth as an armchair detective in a detection process which is both an entertainment and a heady challenge—a puzzle-game.
Maida, Patricia D., and Nicholas B. Spornick. Murder She Wrote: A Study of Agatha Christie's Detective Fiction. Bowling Green, OH: Bowling Green State University Popular Press, 1982. www.questia.com